Já faz alguns meses que escrever não tem feito parte da minha rotina, os textos do meu diário ficaram escassos, meu caderno de tudo andou comigo por aí, mas eu não conseguia colocar em palavras o mundo, os sentimentos e as coisas. A não ser na terapia, onde tenho aversão mortal ao silencio depois de dizer “não sei” e meu psicanalista continuar apenas respirando enquanto olho para o nada deitada no divã.
Esses cinco meses sem atualizar O Peso das Coisas Leves, na verdade, são cinco meses em que as coisas passaram a ter as toneladas de um luto.
No fim de 2024, quando eu finalmente me forcei a sair de uma fase terrível, no meio dos altos não tão altos, mas dos baixos subterrâneos de quem lida terrivelmente com mudanças, me propus a me conectar mais com as pessoas que gosto. A aceitar e fazer mais convites. Escrever e colocar no mundo alguns textos. Parar de fugir do outro e, na verdade, me encontrar e aprender com quem está ao meu redor. Criar laços, estar presente. Foi isso que eu segui tentando fazer nesses tempos de ausência. Mesmo carregando por aí as toneladas de ouro de um teto que atingiu todos que seguem amando uma das pessoas mais lindas que já andou nesse mundo.
E fiz.
Fui de encontro ao amor do meu marido, dos meus amigos, da minha família.
Viajei com eles.
Vi o mar.
Vi arte.
Fui a shows.Cantei em um karaokê.
Encontrei o carinho e a euforia em comemorar o meu aniversário. Conheci um lugar novo, viajando com uma amiga. Era tudo inédito pra mim.
Tudo isso foi meio embolado.
Sem planejar muito.
E me jogou em uma rotina nova: planos de última hora.
O vai e vem de uma casa em que sempre tem alguém.
Travesseiros estranhos.
As instruções dos tripulantes dentro de aviões.
Até que: no domingo, quando planejei uma tarde com uma amiga dessas que me fazem apreciar um dia de calmaria, horas de conversa, comida boa, café e chá. Ela me joga uma bomba de autopercepção e no fim do dia diz “percebi que preciso me reconectar comigo, me sentir mais segura de quem eu sou e passar tempo sozinha”. Essa amiga que esteve presente nos momentos de agitação, me inspirou apensar que, agora é aquele tempo em que a vida afrouxa e sossega, como diria Guimarães Rosa. Esse tempo de fazer uma parada e aceitar o convite à conexão, criar laços e construir memórias comigo mesma. Entender esse novo alguém que se formou de todo esse reboliço.
Afinal, se eu não estava escrevendo e sim guardando as palavras do que me tocou nesse tempo todo. O que eu fiz com isso tudo?
No meio do caminho de me achar de novo em casa, reorganizando meus horários de dormir acordar, passear com cachorro, entrar e fechar a porta do escritório, rever minha pesquisa, tomar minhas vitaminas, marcar consultas adiadas. Me vi escrevendo de novo, todos os dias um pouco, não só os textos argumentativos e acadêmicos, mas também aqueles que me botam nos eixos, os que verbalizam esses borrões abstratos que tenho dentro de mim até que possam ser vistos as lentes das palavras que me ajudam a enxergar.
No meio disso tudo, a vontade de voltar ao esse projeto veio com força.
Com ideias.
Com desejo.
Com busca por organização.
Abri o app do Substack, olhei para todo mundo que eu sigo, com atenção, escolhi alguns textos para ler, newsletters em que achei que me reconheceria, que me trariam mais repertório, que seriam guias e referencias. Nisso encontrei a Escrita como Obsessão de Isadora Sinay. Acho que o que ela disse aqui traduz essa vida que eu busco.
Eu escrevo porque preciso me achar no mundo e às vezes só é possível fazer isso quando você se explica para o outro. Mas no fundo faz pouca diferença quantos são esses outros, o motor é essa possessão.
A vida é cheia de morte, de fins, e o que precisamos mesmo é dar nome aos lutos que sofremos e carregamos enquanto a vida continua seu curso, como se tudo isso fosse normal, com toda essa volatilidade que cruelmente nos remexe nos tira rotinas, sonhos, relações, lugares.
Para nos situar em sua própria transformação.
Para renascermos em sua exigência.
Um novo alguém de nós.
Esse alguém que surgiu com o apanhado de vivências dolorosas e também deliciosas
. A que fomos expostos durante esse caminho.
Esses foram tempos de transformar essa enorme tristeza. Que me tirou o sono, a fome. Que me trouxe dor e saudade. Em vontade de viver.
Memorando sorrisos.
Risadas.
Trocas.
E um mundo que a Giu conheceu. Viveu. Amou. Se interessou. Sonhou.
E essa transformação, em mim, passa pela escrita.
Posso fugir.
Posso adiar.
Mas sempre volto para a palavra.